04 – Fantoches

Fantoches

* Baseado na música: Corrupted

Obs: ligue a música antes de começar a ler ;)

Mãos imortais não ficam calejadas.

Quando essas pobres criaturas fazem o pacto maldito, aquele que lhes custam a alma, o corpo se esquece dos sofrimentos passados e ignora qualquer dor presente… Desde que se tenha sangue.

Essa noite pertence a ele e suas mãos estão sujas de vermelho. Na sua descida ao inferno, já havia matado todos que ousaram entrar em sua frente. Quem olhasse de fora poderia jurar que encontrava-se em uma espécie de frenesi assassino, mas nada poderia estar mais longe da verdade. Ele está sofrendo.

A maldição da imortalidade podia curar qualquer ferida do corpo, mas nem chegava perto das do coração. Ele tinha trocado sua alma por ela, tinha aceitado aquela semi-vida para estar com ela e por saber que, mesmo uma meia-vida ao lado de sua amada valia mais que cem vidas sem ela. E agora, ela se foi.

Alguém a matou, ele sabia quem… E essa criatura não sobreviveria mais um dia além daquele.

Por isso não havia frenesi, não havia perda de consciência, mas sim uma calma extrema, uma clareza de pensamento. Ele iria matar. A noite estava limpa, céu exposto, estrelas brilhantes e uma grande lua vermelha. Tudo contribuía para que o tom de vermelho intenso brilhasse impune.

Ele ceifava vidas, almas, sem medo nem “voltar atrás”. Todos se lembrariam daquela chacina… Ouvia os gritos, sentia os corações acelerados pelo medo, mas nada que se comparasse ao medo que ele queria causar ao seu “líder” Filipo.

Ele caminhava pela rua e acabava com anos a fio de mentiras, expunha tudo que sua raça era sem nenhum disfarce. Tudo que os seus tentaram esconder ele demonstrava como em um grande desfile no meio da cidade.

Movimentos rápidos e reações lentas, ele roubava almas como um ladrão na noite, consumia a sanidade onde passava.

Já na porta de seu antagonista, jazia encharcado de sangue. Ele instilava medo até nos lacaios mais fiéis, porém não impediu que eles se lançassem no andarilho como o mar nas rochas. Entretanto nenhum deles durava tempo suficiente para fazer a diferença.

Não demorou para que a sede de vingança encontrasse seu alvo. A calma atingiu a figura coberta de sangue novamente e por vários instantes eles ficaram se olhando.

-Por quê está fazendo isso? – perguntou Filipo, já sem alternativas para resolver aquele “problema”.

-Eu vim aqui executar a minha vingança por Alice, e você é o numero um na minha lista de mortes.

-Isso é loucura!

-Essa bagunça cresceu além do seu controle, é um rio seguindo seu curso. E admita, não tem mais onde se esconder.

Filipo sabia que aquilo era a mais pura verdade, um dos dois não sairia dali com vida e ainda teria um grande caos para resolver.

-Por que você acha que eu a mataria? O quê eu poderia ganhar com isso?

-Você sabe muito bem que eu e ela éramos os únicos nessa cidade estúpida a ir contra seus desmandos. Sempre fomos contra você! Mas não precisava acabar desse jeito!

-Você é louco? Quem quer que tenha matado sua mulher não fez isso a mando meu.

-Eu, louco? Você mata seu principal lacaio, aquele que fazia todo o seu trabalho sujo e depois mata uma de suas opositoras. Você, claramente, queria morrer!

-Ouça o que está dizendo, idiota! Não nota que você foi manipulado como um boneco de tamanho humano?

-Última chance para sua confissão, assassino! Ou você não controlará mais nada, nem mesmo a sua redenção. Ela está em minhas mãos agora.

-Eu não tenho absolutamente nada para falar para você, nem confessar. E sua loucura será a sua perdição. Não somos humanos, mas temos as nossas leis e você as quebrou hoje. E merece morrer.

-Você é mesmo um néscio! Somos criminosos, estamos dançando na beira da lei. Nosso mundo está corrompido e eu culpo você!

-Não me desafie, você sabe muito bem que eu sou muito mais poderoso!

Nesse momento nenhum ser humano que pudesse assistir a cena veria a movimentação dos dois pelo grande salão de reunião. Uma mesa grande e retangular com oito cadeiras de cada lado separava os vampiros, todavia foi transposta em menos de um segundo. Eles se jogaram um sobre o outro sem restrições, com as mãos limpas e caninos à mostra.

Uma sala sem janelas. Nem mesmo o ar noturno compartilhava a batalha dos seres das sombras e suas artimanhas. Mas no final, quem imobilizasse e cravasse as presas primeiro seria o sobrevivente, já que ali não existiam mais vencedores.

Filipo sentiu por um instante a hesitação de seu oponente e aproveitou a chance para imobilizá-lo.

-Você vai morrer. Sabe disso, não?

-Engraçado, Filipo. Sempre diz ser o mais apto entre nós, o mais esperto e ainda não entendeu a minha intenção desde o início. Eu não pretendia sair daqui vivo.

-Como?

-Você me chamou de títere hoje, mas quem é mais cego? Eu posso ter sido enganado, e nem mesmo estar enfrentando o responsável pela minha desgraça. Porém me sinto assim, e estou com a alma limpa para encontrar com ela. Pelo menos eu busquei a vingança. E você, age pra quem? Você é um boneco em tamanho humano, não eu. Vive pelo que os outros acham que você vale. Vive pela mentira, vive pela aparência. E eu sei que você está quase sem sangue e não agüentará quando finalmente me matar. Eu sei que não vai parar até ter consumido toda a minha essência. E esse crime é tão hediondo quanto o meu. Minha vingança está completa.

De fato ele estava encharcado de sangue, e Filipo tinha gastado tudo que tinha para derrotá-lo.

Não foi difícil se deixar levar pelo instinto e sugar tudo que o seu adversário tinha: seu sangue, suas memórias, seu resto de vida. E então estava maculado ainda mais, para todo o sempre. E marcado.

A sua vingança tinha dado certo, Filipo tinha sucumbido.

Dessa vez o líder dos vampiros não tinha nenhuma frase de impacto, nenhuma piadinha para fazer e só um nome ecoava em sua cabeça, algo que reverberava por toda sua mente. De certa forma ele continuaria vivendo ali e Filipo sempre sentiria a culpa pela morte dele e de sua amada, Rafael e Alice.

comentários
  1. Felipe Hänsell disse:

    Arquivo corrupted pra lá e arquivo corrupted pra cá… esse ficou muito bom! Acredito que o melhor até agora! Dá para encontrar praticamente a letra inteira dentro do conto. Parabéns, Ana!

    Mind This Song!

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