05 – Dentro de Si
Dentro de si
*Baseado na música: Walking Tall
Obs: ligue a música antes de começar a lerFilipo abriu os olhos devagar para se acostumar com a forte luz que o cegava. Só depois de alguns segundos ele sentiu o calor e notou que aquela era a luz do sol.
O que se passa na cabeça de alguém que vai morrer?
Filipo teve vontade de chorar diante dos seus pecados. Porém o sol teimava em não machucá-lo. Sentiu a areia embaixo do seu corpo e enfim abriu os olhos sem medo.
Era o nascer do sol.
Filipo tinha se esquecido completamente de como era o sol. Mesmo quando era humano não se importava muito com esses pequenos milagres, se importava sim com o poder, em sair da lama onde tinha nascido.
De fato, aquela era a primeira vez que via o raiar do sol em uma praia.
-Bonito, não?
De tão hipnotizado o velho vampiro nem se incomodou em responder.
-Esse foi o meu último nascer do sol.
Foi nesse momento que ele se virou para ver quem estava lá e viu Rafael.
-É lindo mesmo – disse voltando seus olhos novamente para o espetáculo a sua frente.
-Eu me preparei e escolhi estar ao lado dela, sabe?
Rafael parecia falar mais consigo que com Filipo.
-Já tinham me dito que, quando sugamos a essência de outro, algumas lembranças poderiam ser absorvidas. Bem como sentimentos. Mas não me preparei para que você estivesse aqui também.
-Mas eu não estou. Não de verdade. É apenas uma forma que a sua mente teve de lidar com as minhas memórias e vontades.
-Certo.
Filipo se mantinha sentado na areia esperando o sol, enquanto Rafael, ou como ele se lembrava de si mesmo, estava de pé. Esperando.
-Vamos, Filipo. Está na hora.
Filipo se despediu do sol com pesar e se levantou, apenas para notar que estava em um bar escuro.
A fumaça de cigarro deixava o ar impregnado de um odor repugnante, misturado com suor e sangue seco. Dessa vez Rafael estava jogando sinuca com sua velha jaqueta de couro, mas ainda vivo. Mas sombra/lembrança do motoqueiro permanecia ao lado de Filipo.
-Foi aqui que eu a conheci.
-Vocês tinham um gosto realmente refinado. – disse com desdém.
Nem foi preciso que o fantasma repreendesse o vampiro, ele mesmo sentiu uma fisgada no peito. Não podia falar mal dela, agora Filipo também amava Alice.
-Fica pior quando ela está por perto. – falou o fantasma como se soubesse da dor que Filipo sentiu.
O vampiro, olhando em retrospecto, tinha evitado o amor por toda uma existência e agora se via preso com aquilo dentro de si. Ele se desesperou diante o sentimento inédito.
-Mas eu não devia sentir isso! Eu não tenho alma! Tire isso de mim AGORA!
Apesar dos gritos e do desespero, a cena continuou.
-Você acha mesmo que a nossa maldição seria completa se não pudéssemos desejar e até amar? – Rafael parecia se divertir com o sofrimento do seu algoz.
Foi quando Alice apareceu.
Ela era linda. Longos cabelos loiros e olhos azuis. Bondosos olhos. Filipo sempre a tinha visto como uma adversária política e nem poderia ter reparado nos olhos dela. Mas agora que a amava, reconhecia que não poderia haver olhos mais belos, bondosos e profundos.
Ela se aproximou do seu amado Rafael na cena e o beijou. A sensação dessa lembrança gelou Filipo de cima abaixo.
-Por quê isso está acontecendo? Eu não a matei! Por quê estou revivendo isso?
-Nós sabemos disso, Filipo. Mas quem escolheu isso foi você ao sugar minha essência. Estamos apenas juntando pedaços daquele que um dia fui. E acredite, estou aqui para ficar. Vamos, precisamos ir.
A cena mudou de novo e eles estavam no escuro.
-Que lugar é esse?
Ao longe uma luz se acendeu, deixando todo o resto ainda escuro.
Fantasma e vampiro ouvem ao longe uma voz chamando:
-Alice?
Mais um spot de luz se acendeu e de longe podia-se ver o corpo de uma mulher loira caída no chão.
-Não! Eu não quero essa lembrança! Faça PARAR!
-É tarde para isso, Filipo. Agora você precisa ver.
Rafael se aproximou do corpo no chão e viu o sangue derramado no chão preto. O carmim parecia brilhar em contraste com a luz e o chão. O motoqueiro se aproximava da amada que estava com o corpo muito machucado. Os nós dos dedos estavam sem pele e seu rosto com cortes profundos. Quem tinha feito isso ainda teve o cuidado de mutilar seus belos cabelos.
-Mas por que ela não se regenera?
-Você não sabe mesmo, Filipo?
De mero expectador, Filipo agora corria em direção a Alice, assim como Rafael tinha feito um dia. Eles a tomaram nos braços e viram que seu coração tinha sido arrancado. Ela não poderia se regenerar.
O velho e frio vampiro não se conteve e chorou sangue enquanto sua (agora) amada se fazia cinzas.
-Eu não a matei! Como você pôde pensar isso? Como pôde concluir que tinha sido eu?
Filipo estava no chão completamente exausto.
Ele então sentiu a adrenalina correr e um sentimento forte de vingança e violência invadiu seu sangue. Sabia agora em que estado Rafael se encontrava quando o procurou e teve vontade de se matar, por vingança. Mas se Filipo sabia que não era ele, então quem…
Foi aí que ele se atentou que aquela era sua mente e que agora ele tinha as lembranças do Rafael. Filipo estava pronto para retomar o controle da situação.
Ele olhou para o fantasma do Rafael.
-Eu prometo uma coisa para você e para mim consequentemente, eu vingarei Alice. Agora me mostre quem lhe disse que eu a havia matado.
Os dois estavam agora em uma casa abandonada, em uma cozinha empoeirada e suja.
Rafael estava diante de um homem magro e bonito, que Filipo logo reconheceu.
-Dante, seu imundo!
A impetuosidade de Rafael ainda influenciava seu corpo e ele se jogou contra a lembrança. Porém, ele apenas atravessou a cena como fumaça.
Então a frieza inerente em Filipo resolveu agir e saiu da cena, andou até a porta, saiu, olhou o nome da rua e o número da casa.
O fantasma de Rafael olhava para Filipo com ansiedade.
-Obrigada, fantasma. Agora eu tenho as informações que preciso para acabar com uma guerra que dura centenas de anos. Com o sangue que tomei de Rafael e sua essência, eu me tornei muito mais forte também, impossível de derrotar. E acredite, eu vou acabar com isso de uma vez.
Filipo se aproximou do Rafael.
-Esse é o ponto de virada. Dante sempre esteve um passo a frente, mas não agora! Estou vendo mais!
Filipo parou, olhou em volta pela última vez e tocou no ombro do fantasma.
-Eu também não preciso mais de você.
E enfiou a mão através da cabeça do fantasma que desvaneceu.
Filipo abriu os olhos e viu sua sala destruída, com muito sangue no chão. O corpo de Rafael já tinha desaparecido e alguns lacaios entravam correndo para ver o que tinha acontecido com seu mestre. Alguns se mostraram muito felizes por ver que ele estava bem, outros nem tanto.
O vampiro estava com as roupas rasgadas devido a luta, mas estava melhor do que nunca.
-Mestre o que faremos com essa bagunça? A cidade está um caos!
Disse um lacaio pequeno e gordo, com uma cara preocupada.
-A cidade pode esperar, hoje é dia da minha vingança.